Mordidas na Escola:
O Que Fazer?
É muito comum
que nas escolas de educação infantil, mais especificamente nas turmas de
maternal, de crianças com aproximadamente dois anos de idade; aconteçam as
mordidas. Nessa idade a criança encontra-se na fase oral, do desenvolvimento da
personalidade.
A criança tem
o seu primeiro contato com o mundo através da boca, pelo seio materno, que lhe
proporciona o prazer de saciar sua fome. Em razão dessa relação de prazer, à
medida que cresce leva outras coisas à boca, como as mãos e os pés. Aos poucos
vai tentando saborear outros objetos e até mesmo as pessoas, na tentativa de
conhecer e descobrir melhor o mundo.
Segundo
D’Andrea, a fase oral é dividida em duas etapas, a de sucção e a de mordida. Na
fase da mordida “há uma tendência a destruir, morder, triturar o objeto antes
de incorporá-lo”. Essa fase é dividida em duas características principais,
sendo oral receptiva, quando o sujeito não passa por privações, tornando-se uma
pessoa muito generosa e oral agressiva que aparece uma “tendência a odiar e
destruir, a ter ciúmes da atenção que outros recebem, a nunca estar satisfeito
com o que tem e a desejar que os outros não tenham algumas coisas, mesmo que
não as queira para si”. É como se a pessoa quisesse se vingar das frustrações
que o período de amamentação lhe causou.
A criança que morde na verdade está procurando uma forma prazerosa de se
expressar com o mundo, de se descobrir dentro dele, pois nesta fase a sua
libido está centrada na boca, na porção superior do trato digestivo.
“Morde não mãe, que dói”
Através desse
contato, aos poucos vai percebendo várias diferenças como doce e salgado, duro
e mole. E na escola, ao morder um amigo, descobre novas sensações de prazer,
como em ver o susto, a reação, o choro do outro. A partir dessa sensação
agradável, volta a fazer repetidamente.
As mordidas
acontecem em situações de disputa por brinquedos ou quando entra uma criança
nova no grupo, causando emoções como insegurança, medo da perda ou ciúmes do
novato, já que a professora está com a atenção mais voltada para o mesmo. Como
não consegue administrar seus sentimentos, manifesta o incômodo através da
mordida.
Os pais devem
ficar atentos à organização do espaço escolar, se neste existem materiais e
brinquedos adequados à faixa etária das crianças e se estão em quantidades
suficientes para os mesmos. A falta desses materiais, bem como a falta de
planejamento e organização de atividades, deixam as crianças ociosas por longos
períodos, e podem ser a causa das mordidas constantes.
Um grande
problema que temos presenciado comumente entre as famílias, são os pais
brincando com os filhos usando a boca, dando pequenas mordidas nos mesmos,
fazendo barulhos, etc. Essas atitudes não são erradas, mas podem confundir as
crianças, que reportam para outras crianças as mesmas brincadeiras, porém
podendo machucá-las, já que ainda não possuem domínio da força da mandíbula. As
famílias devem se conscientizar que essas brincadeiras, apesar de trazerem
sentimentos positivos, podem causar atitudes de agressividade na criança, que
ainda não controla seus impulsos e não sabe distinguir o certo e o errado.
A mordida na
escola é uma situação constrangedora para todos os envolvidos. Os pais da
criança mordedora sentem-se muito mal, ficam envergonhados, os pais da criança
agredida ficam chateados com o machucado do filho e sentem-se culpados por
deixarem a criança na escola.
A escola, por sua vez, tem a difícil tarefa de mediar as relações entre
as crianças e seus familiares, a fim de amenizar os sentimentos negativos da
situação.
Devem criar situações para estabelecer os limites dentro da mesma,
mostrando para os alunos que devem respeitar os amigos, tratá-los bem, com
carinho e mostrar que a criança machucada fica triste, que chora por ter
sentido dor.
Aos poucos,
as crianças vão apreendendo esses conceitos e descobrindo outras formas de
sentir prazer.
Até os três anos de idade, as mordidas são conhecidas, comuns entre as
crianças, mas sempre preocupam pais e professores. Para entender o fato, é
preciso voltar nossa atenção para o desenvolvimento físico e emocional das
crianças.
O mundo pela boca
Crianças
pequenas têm interesse e curiosidade por tudo que há à sua volta. A grande
interação com o mundo, todos sabem, principia pela boca, por onde o indivíduo
faz importantes descobertas separando o que o constitui e o que constitui o
outro. Significativas sensações de prazer físico, psíquico e social acontecem
nesse período, que acompanha a dentição. Na fase oral, encontramos, com
frequência, a criança mastigando, sugando, chupando, produzindo sons, levando
objetos à boca. E mordendo. Desejando conhecer o outro, apropriar-se dele -
coisas e pessoas - , manifesta-se desse modo, com essa agressividade primitiva.
É claro que, um
pouco mais tarde, a mordida ganha nova feição, passando a ser um modo de chamar
a atenção mais rapidamente ou a resposta a um desejo contrariado (antes o
choro era o recurso mais utilizado para isso). Normalmente essa criança ainda
não fala com tanta fluência, articula as palavras com alguma lentidão e sabe
que, com essa abordagem mais "enfática", resolverá mil vezes mais
rapidamente a disputa pelo brinquedo. Apesar de sabermos que essas
manifestações agressivas na infância não resultam na constituição de um sujeito
violento na idade adulta, é claro que esse comportamento deve ser
desestimulado. Com a estruturação da linguagem e do pensamento, com a
construção da razão, a criança encontra estratégias mais refinadas para
solucionar conflitos. Em situações estressantes, esse tipo de reação também não
é algo raro. Mães e professores têm relatos de crianças que, em meio a um
grande número de pessoas, como em festas, por exemplo, mordem por ansiedade e
insegurança. Alguns momentos na vida da família também podem detonar
irritabilidade e agressões: um irmãozinho chegando ou recém-nascido; pai e mãe
se separando; mudança de casa ainda não assimilada; todos são exemplos muito
comuns. Ainda devemos lembrar dos filhos únicos e mais possessivos, que
costumam ter um baixo nível de tolerância.
Ajudando a criança que morde
Cabe-nos
ajudar tanto a criança agressora quanto a que sofre as investidas identificando
as razões das mordidas e interrompendo o processo para evitar a instalação da
agressividade no grupo. Dê possibilidade a seu filho ou aluno de expressar o
que ele sente para que compreenda o que está acontecendo consigo.
Quando ele não souber dizer por que mordeu o colega, experimente
oferecer-lhe algumas opções. Fora da situação em que os ânimos estão exaltados,
mostre à criança que o amigo ficou triste e machucado. É importante considerar
que o conceito de dor, como o de outras sensações, é construído. Imaginar-se no
lugar do outro é um excelente exercício para despertar a percepção das
consequências das ações que se pratica. Por mais que pareça a melhor medida, o
isolamento da criança não resolve o problema. Aprende-se a conviver bem
experimentando a convivência.
Ao mesmo tempo, dê mais atenção às crianças
para reduzir a incidência de ataques. Antecipe a ação negativa intervindo para
evitar que a criança reincida. É preciso aprender a identificar o contexto
dentro do qual ela apela para a mordida. Assim, quando estiver diante da
situação-limite, a criança terá a chance de ser estimulada a trocar a
comunicação corporal pela argumentação verbal. Impeça que a criança sinta-se
premiada com o comportamento inadequado. Ela não deve usufruir daquilo que
conquistou à base da mordida (isso vale para chutes, beliscões, tapas,
arranhões). Além disso, estimule sempre um pedido de desculpas. Se você
perceber a necessidade de ameaçar com uma medida punitiva, combine o que
acontecerá se o ato voltar a ser praticado e cumpra o combinado. Voltar atrás é
dizer que você não tem certeza de sua decisão. Vale lembrar que a punição não
deve ser física e que a criança não deve ser humilhada.
Ela foi mordida de novo
Muitas vezes,
avalia-se que uma criança é precoce, que é mais madura porque gosta mais de
conviver com crianças mais velhas ou com adultos, demonstrando desconforto,
inquietude, irritação quando está com outras crianças de sua idade. Claro que é
possível que isso ocorra, mas o que verificamos, normalmente, é que o dia-a-dia
entre indivíduos da mesma faixa etária, na fase do desenvolvimento de que
estamos tratando, é mesmo o que há de mais difícil - por isso, às vezes, menos
desejado -, pois todos têm demandas semelhantes. Aqui não há o que "tem
que ceder porque o amigo é mais novo". Voltemo-nos para a criança que é
mordida repetidas vezes. Ela precisa de acolhimento - atenção e ajuda - para
melhorar seus reflexos, expressar seu descontentamento e encontrar mecanismos
de defesa. Fortalecê-la, porém, não é incentivar o revide, o que ocorre com
frequência com alguns pais pelo receio de que seu filho se torne um sujeito
passivo diante da vida. É preciso lembrar que o adulto não deve oferecer um
modelo agressivo sob pena de fixar o ambiente hostil que está rondando os
primeiros relacionamentos da criança. Por mais que seja sofrido ver o filho
marcado por um colega, evite o rancor, pois a criança que morde não é má, e
seus pais sofrem muito temendo que ela seja discriminada pela turminha e pelos
outros pais.
Fonte: Jussara de Barros / Graduada em Pedagogia / Equipe Brasil Escola
http://jornal.nossaescola.com.br
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